7 de agosto de 2007
A “mãe” do Festival da Canção Infantil
Manuela Aranha abriu as portas da sua casa à OLHAR
A “mãe” do Festival da Canção Infantil
Foi a primeira mulher a andar de bicicleta na Madeira, a segunda a dirigir um motociclo. Foi uma mulher “fora de tempo” que soube traçar o seu caminho e limar arestas de uma sociedade que limitava a liberdade de expressão das mulheres. A OLHAR recorda esta semana a escultora, a desportista, a professora, a ex-directora regional dos Assuntos Culturais e a mulher que durante vinte anos ajudou a iluminar a cidade do Funchal por altura das festas de Natal e de Fim-de-Ano. Falamos esta semana de Manuela Aranha.
Manuela Aranha nasceu em 1931, bem no coração da cidade do Funchal. Era a terceira e última filha do casal que se viu, um mês após o seu nascimento, forçado a mudar-se para o Porto Santo por razões políticas. O pai era militar e por estar envolvido na revolução teve de sair da Madeira por alguns meses. A família ressentiu-se com a mudança mas conseguiu manter equilibrado o nível de vida dos seus membros. A este respeito, recorda a escultora, «tive uma infância e uma juventude muito boas. Os meus pais não eram ricos mas souberam dar a qualidade de vida que precisávamos para viver bem». Concluída a escola primária, entrou para a então Escola Industrial e Comercial do Funchal, sendo esta época, segundo a escultora, «a pior da sua vida» por não gostar daquilo que ali ensinavam. Na qualidade de “assistente” Manuela Aranha confessa, hoje em dia, que «não aprendeu nada» nessa altura simplesmente porque «não queria aprender». «Aquilo para mim era um divertimento e isso fazia com que eu não gostasse muito de estudar. Admito que essa atitude me prejudicou bastante, tanto que, quando decidi estudar a sério, entrei na habitilitação de belas-artes. Foi aí que mudei por completo. Tavez por ter encontrado aquilo que queria fazer». Feitos os cinco anos deste curso partiu para o Porto onde aí começou a fazer o curso superior de Belas Artes.Entre os livros e as telas, Manuela Aranha nunca descurava o desporto, nem os banhos de sol, nem o convívio social. «Adorava jogar voleibol, nadar, jogar ténis, hóquei, patinagem e andar de bicicleta. Aliás, para espanto de muita gente, eu fui a primeira rapariga a andar de bicicleta na Madeira. E como eu adorava essa bicicleta... levava-a para toda a parte, até mesmo quando ia namorar», recorda sorrindo. A bicicleta ainda hoje existe, bem como uma série de boas memórias passadas na sua juventude e que incluiram [inevitavelmente] dezenas de actividades ao livre.Terminados os quatro anos da Escola Superior de Belas-Artes do Porto, resolveu casar e vir para a Madeira. Nessa altura, ainda não tinha terminado o curso superior mas era possível fazê-lo apenas com a realização das frequências. Veio para a Madeira, começou a dar aulas e de vez em quando deslocava-se ao Porto para fazer essas frequências. Ao fim de três anos, e já com um filho, Manuela Aranha decidiu parar com este vaivém entre o Porto e a Madeira. «Comecei a ver que estava a perder com esta situação. Foi aí que decidi voltar para o Porto, deixando aqui o meu marido e o meu filho. Ao fim de um percurso que durou cerca de quatro anos, vim definitivamente para a Madeira, para junto da minha família».Foi professora na Escola Industrial e Comercial do Funchal (actual Escola Secundária Francisco Franco) e levou onze anos para efectivar-se como docente. «Dediquei-me por completo ao ensino. Penso que fui uma boa professora para os alunos. Além disso, sentia, nessa altura, uma grande aproximação com todos eles. Lembro-me que chegava muitas vezes de mota [Manuela Aranha foi a segunda mulher na Madeira a andar de motorizada] e esse facto aproximava-me dos alunos. A minha personalidade e a minha motivação cativava-os».Contudo, a grande “mudança” que viria a passar-se na vida desta «simples professora» aconteceu em 1976, ano em que Manuela Aranha foi convidada, pelo professor Fernando Ferreira, a presidir a delegação do FAOJ (antigo Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis). «A minha primeira reacção foi dizer “não quero”. Mas, depois, ao chegar a casa, pensei: não vou fazer o papel do madeirense que diz mal, mas quando lhe põem os problemas foge. Foi aí que aceitei», recorda.Nessa época o FAOJ funcionava no edifício do Museu Photografia Vicentes e eram desenvolvidas actividades ligadas ao desporto, à cultura e às artes plásticas. A instituição foi crescendo até ao ponto de se tornar necessária a passagem para um espaço maior. Foi aí que Manuela Aranha pediu ao presidente do Governo Regional para que adquirisse o imóvel que é actualmente a Direcção Regional da Juventude, na Rua 31 de Janeiro.A criadora do Festival da Canção Infantil Uma das maiores “criações” de Manuela Aranha foi o Festival da Canção Infantil. A escultora orgulha-se de ter sido a “mãe” de um evento que já vai na sua 26.ª edição e que, em cada ano que passa, ganha mais qualidade. «Nós fazíamos o Festival da Canção Infantil através do Festival da Figueira da Foz. Como este pedia, todos os anos, um representante da Madeira, reparei que podíamos fazer nós o nosso próprio festival para depois “enviarmos” a Lisboa a criança vencedora. E assim foi. O primeiro espectáculo aconteceu no Teatro Municipal Baltazar Dias. A receita da bilheteira rendeu 50 contos, dinheiro que foi doado à UNICEF. Nesse primeiro festival não gastei nenhum dinheiro. Os músicos do Carlton ofereceram-se para participar gratuitamente e o cenário foi construído com material do Carnaval, cedido pelo Turismo. Hoje em dia, sinto-me muito satisfeita de ver um produto que nasceu comigo e que tem uma projecção muito grande», relembra.Refira-se que, actualmente, este festival está a cargo do Gabinete Coordenador de Educação Artística, entidade que, pelas mãos do professor Carlos Gonçalves, «já conseguiu fazer do certame um festival 100 por cento comercial», sublinha.Ainda a respeito dos projectos apoiados por si, Manuela Aranha orgulha-se também de ter ajudado o ressurgimento de novas bandas filarmónicas, tunas de bandolins e grupos de música tradicional madeirense. Aliás, adianta a escultora, «até o Festival Internacional do Faial nasceu no meu gabinete e é um projecto que também continua até hoje».Um novo desafio lhe bate à porta:provavelmente o maior da sua vidaNo início dos anos 80, outro grande desafio bate à porta de Manuela Aranha. Com a entrada de João Carlos Abreu (em 1979) na Secretaria Regional do Turismo, a escultora recebe o convite para ser directora regional dos Assuntos Culturais (DRAC).«Assumir o cargo de directora regional foi uma decisão difícil para mim. Eu gostava imenso de estar na Juventude e custou-me muito deixar este gabinete. Contudo, ele tanto pediu que eu lá aceitei. Hoje em dia, admito que gostei e afirmo que foi um período de doze anos muito compensatório. Esse cargo deu-me a oportunidade de conviver com muita gente, das várias áreas da cultura», conta a escultora que aceitou, neste mesmo período, um outro pedido feito pelo engenheiro Ribeiro de Andrade.Desta vez, o “desafio” era o de desenhar a iluminação das festas de Natal e de Fim-de-Ano do Funchal. Durante muitos anos (até 2001), Manuela Aranha foi a autora dos desenhos que ornamentavam a iluminação nas principais artérias da cidade. «Foi uma experiência muito gratificante, sobretudo quando chegou o ano 2000. Foi nesse ano que me deram “carta branca” para fazer o tema a meu gosto. Decidi fazer tudo novo e escolhi as flores como tema da iluminação. Levei um mês inteiro a desenhar flores. Depois disso recordo-me que disse ao secretário: “acabou-se, estou cansada. É preciso vir outra pessoa com outras ideias”. Contudo, quando chegámos a 2001, vieram dizer-me que a Secretaria não tinha contratado ninguém para fazer os desenhos. Para “salvar” a situação, decidi repetir a apoteose das flores e colocar duas taças de champanhe para celebrar a passagem do milénio. Foi assim que terminou o meu percurso na iluminação de fim-de-ano», recorda.Autora da estátua “Paz e Liberdade”e do “Barqueiro”, no Porto SantoUma das maiores encomendas que Manuela Aranha recebeu foi a realização de uma estátua que representasse a paz e a liberdade. A escultora desenhou a estátua que ainda hoje ornamenta o largo que está logo abaixo da Quinta Magnólia. Pensada inicialmente para ser um espelho de água, a estátua era para ficar na actual Praça da Autonomia. Mas depois, por decisão da Câmara, esta foi mudada para o largo no qual está hoje em dia. Um trabalho que lhe deu imenso gozo a fazer porque reflectiu, de certa forma, o percurso e a personalidade desta artista que sempre defendeu a liberdade a todos os níveis.Outras das obras assinadas pela escultora foi a estátua o “Barqueiro”, que foi colocada na principal praça da vila do Porto Santo e, mais recentemente, o busto de Horácio Bento de Gouveia, inaugurado este ano na Ponta Delgada.Entretanto, Manuela Aranha foi trabalhando em outras maquetes, algumas até para “uso próprio” já que, alguns dos trabalhos que tem a decorar a casa e que tanto se orgulha, são o busto da sua filha e uma imagem em bronze de Nossa Senhora do Monte.Mulher de certezas e de convicções, Manuela Aranha garante que ainda não terminou a sua obra e que sente, que pela frente, tem ainda muito trabalho por concretizar.
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