24 de junho de 2008
Inovação que revolucionou a Pesca foi parar ao Faial.
Numa altura em que se vive uma crise ao nível dos combustíveis, que atinge vários sectores, entre eles, o da Pesca, a “Olhar” foi até à freguesia do Faial, no concelho de Santana conhecer um homem que se lançou às lides do mar, quando os barcos, ainda, não precisavam de gasóleo para navegarem. Iam ao sabor do vento e da força dos remos. Foi assim durante anos até que apareceram os motores.José Jesus Teixeira Ferreira tem 79 anos e foi o primeiro faialense a ter um barco a motor, o terceiro que chegou à Madeira. Foi no quintal de sua casa que nos contou um pouco da sua longa história de vida, onde cada capítulo revela uma das suas facetas, nas mais variadas artes. Por não gostar da escola não terminou a 4.ª classe, contudo, teve a destreza e capacidade de empreender e apostar em diversos ramos de actividade.Foi desta forma que sustentou a mulher e os quatro filhos. Hoje orgulha-se de lhes ter dado estudos, apenas uma das filhas não quis prosseguir na escola.Do quintal, José Ferreira avista o mar, o mesmo mar onde se aventurou diversas vezes, na luta pela vida. Da mesma varanda, também, vislumbra a estrada, uma entre as muitas da Madeira que ajudou a calcetar por onde circulou com a camioneta, o camião e o táxi, que lhe ajudaram a ganhar a vida.Apesar de ter sido operado ao coração três vezes, todas as manhãs vai com a esposa Ludovina Marques de Jesus até à fazenda ver como estão as culturas.Uma sucessão de más experiências na escola fez com que José Ferreira não gostasse de estudar, de maneira que aos 11 anos começou a trabalhar. Recordou o próprio que a professora, que vinha do Funchal, era muito amiga de seu pai, o que em certas alturas lhe trouxe algumas desvantagens porque contava ao seu progenitor tudo o que este fazia na escola. “Ela dizia-lhe as coisas que ele fazia na escola”, sustentou a esposa, ao reiterar que o marido até “tem uma letra bonita”. José Ferreira recorda que ela “obrigava-me a fazer tudo, e quando não fazia levava porrada”.Ao sair da escola, “fui acartar ferro para o ferreiro, para abrir uma estrada, para poder ganhar algum dinheiro”, disse, apontando para a estrada, perto da chamada ponte velha. Chegou a trabalhar numa pedreira em Santa Cruz, para fazer a estrada entre o Santo da Serra e a Camacha e a estrada do Caminho dos Pretos até ao Terreiro da Luta. Depois de terminar a tropa foi trabalhar para a empresa de transportes públicos SAM, como bilheteiro, depois nos camiões a carregar material e, mais tarde, como motorista nos autocarros de passageiros. Chegou a ter camiões por sua conta.Entre o mar e a terraNa altura, José Ferreira já tinha uma canoa que comprou a um velhinho, quando começou a haver borracha no mar. Esta borracha provinha dos navios que eram abatidos durante a II Guerra Mundial. Alguns fardos chegavam a ter 120 quilos. A borracha era leve e vinha dar à costa. De acordo com este faialense, a borracha que apanhavam junto à costa do Faial era entregue à Capitania do Funchal, que fazia uma “arrematação à Casa Leackok para fazer botas-de-água, pneus e outras coisas”. Para ganhar mais, “fugia-se ao regime, não se entregava à Capitania e tratava-se de vender, pessoalmente, pelo dobro ou mais do dobro”. José Ferreira tinha sócios. “A gente éramos conhecidos pelas gaivotas porque a borracha andava à tona d´água e as gaivotas poisavam naqueles novelos”.Iam no barco a remos, pequenino, por isso, não podiam ir para muito longe. O barco não tinha mais que 3.5 metros, por isso, a borracha vinha a reboque. Chegou a sair de noite porque, na altura da Grande Guerra, havia um reforço da tropa no cais da Fajã do Mar, onde os barcos ficavam atracados.Explicou o próprio que iam de dia, depois “amarrava-se os barcos na rocha, de maneira que não vissem e à noite ia-se lá buscá-los, para enganar as tropas levava-se umas canas e fazia-se que ia-se pescar”.Se para isso era preciso coragem, respondeu que “coragem era chegar à costa e deitar-se ao mar para puxar o barco para terra”. Para isso, normalmente, iam três homens, dois vinham a terra e outro ficava no mar.Em terra, “a primeira coisa que a tropa fazia era revistar o barco”, por isso, “guardava-se as coisas na casa e vinha-se embora, quando se chegava aqui descia-se a rocha e ia-se buscar a borracha que estava no calhau do Faial”. Garante José Ferreira que “ninguém mexia porque de noite ninguém via” e “a tropa nunca desconfiou”.Por vezes encontravam outros barcos que andavam na pesca, uns maiores que a canoa de José Ferreira, que viam o fardo de borracha mas não diziam nada. “Só houve um problema com um rapaz de São Jorge que tirou o fardo de borracha a um outro do Porto da Cruz, que ficou lá com a canoa virada mas não morreu”, frisou. Terceiro motor foi para o FaialPassado algum tempo, este faialense arranjou um barco de madeira, com motor, era um Penta-Volvo que, na altura, custou 17.5 contos. Construiu o barco com a ajuda de um rapaz de Gaula, com ordem da Capitania. Com a licença e inspecção feitas lançou-o ao mar. Era uma canoa de nome Pico da Atalaia.José Ferreira foi o primeiro faialense a ter um barco de pesca, a motor, o terceiro na Madeira. Ainda hoje esse motor trabalha.Recorda-se de ir à Pontinha buscá-lo. Levou para o Faial homens de Câmara de Lobos para trabalhar, juntamente, com outros da freguesia. Todos os anos pagava uma licença para vender o peixe no cais. Uma espada custava dois escudos e cinco tostões, por cabeça. Havia espadas com cinco quilos. Também pescava pargos, gorazes e salmonetes. O barco acabou por se partir num acidente, certo dia em que o mar estava ruim na Ponta de São Lourenço, eram quatro horas da manhã. A madeira do barco acabou por dar à costa. Dos quatro tripulantes, todos escaparam.José Ferreira diz que ir para o mar é sempre um desafio porque pode partir com bom tempo e este piorar no regresso. Houve um dia em que os homens que com ele trabalhavam não puderam voltar para trás e à porta de sua casa juntou-se um grupo de 10 a 15 pessoas a gritar por causa dos familiares que não apareciam. Numa dessas vezes, José Ferreira chegou a ir até o Porto Novo mas não os encontrou. Já estavam na Madalena do Mar, a salvo.A esposa recorda esses tempos. Havia rapazes, apontou, com carta marítima mas não conheciam o mar, os de Câmara de Lobos, sim. Nessas ocasiões de agonia, chegava a telefonar para o marido e para a Capitania para ver onde é que andavam. “Eles podiam passar aqui que eu não os via, as ondas eram tão grandes que o mar descaía e eles ficavam escondidos, quando se chegava a ver já estavam longe”.Na altura, havia 17 cédulas marítimas no Faial. José Ferreira era dos poucos que ia ao mar ganhar o dia. Mais tarde, o Governo encomendou motores para outros pescadores, nomeadamente, de Câmara de Lobos, que eram movidos a gasóleo. Este faialense chegou a ter três barcos a motor por sua conta, dois deles, ainda, estão em bom estado. Um está em Santa Cruz, chama-se José Ferreira e outro foi baptizado de José Agostinho, o nome do afilhado que foi arrás do barco e a quem lhe ofereceu metade da embarcação. Antes de se reformar, José Ferreira foi taxista e chegou a ter três carros por sua conta. Aventureiro e empreendedor, da varanda de sua casa alcança o mar, a estrada que ajudou a calcetar e a estrada que passa em baixo onde rodou em dezenas de dias de trabalho. Mas o cheiro a mar e o Pico da Atalaia ficaram bem marcados na memória…
Subscrever Mensagens [Atom]